
DOBERMANN DI AMABILE

Imprinting
“ Imprinting é um conceito que não é, nem um pouco, simples. Apesar de relativamente banalizado e muito citado por pessoas que trabalham com comportamento animal, nem sempre esse termo é bem interpretado e, raramente, é bem empregado. Esse termo foi cunhado por Konrad Lorenz, o chamado “pai da Etologia”, apesar dele mesmo não se reconhecer como tal. Na tradução de seu livro “Fundamentos da Etologia” esse termo foi traduzido como estampagem, apesar da palavra em inglês ser mais usada. Lorenz observou esse comportamento especialmente em aves, mas referiu-se a Freud e a outros pesquisadores que desenvolveram observação no mesmo campo referindo-se a mamíferos (e humanos). Quando Lorenz descreve como são os processos de aprendizagem nos animais, os dividem em alguns tipos. Um dos grupos das formas de aprendizagem citados foi o que chamou de “Aprendizagem Associativa sem efeito de feedback informando o sucesso”, ou seja, “aprendizagem que depende de associação com estímulo externo que não precisa de resposta ou recompensa, tanto positiva quanto negativa”. Nesse grupo ele cita fenômenos como habituação, trauma e imprinting.
Dessa forma já temos a primeira idéia do que é imprinting: aprendizagem que depende de associação, sim, mas não precisa de recompensa ou qualquer tipo de resposta. O exemplo clássico do imprinting e o primeiro descrito é o caso ganso que sai do ovo e reconhece como mãe o primeiro animal que vê. Esse animal será seguido por ele, independente de ser uma mãe ganso, um cisne, uma pessoa ou qualquer outro animal. Ele direciona todo seu comportamento de dependência à primeira face que viu. E mais interessante ainda: nessas aves o comportamento de corte dos machos será direcionado a animal semelhante ao que ele considera o “padrão feminino da espécie”, buscará acasalamento com animal semelhante ao que considerou ser sua mãe. Se tudo estiver certo, estará cortejando uma fêmea adulta de ganso em idade reprodutiva, se o imprinting foi “errado”, direcionado a outra espécie, ele terá um comportamento estranho e nunca terá filhos nem transmitirá seus genes (sucesso reprodutivo). Nem em todas as aves o imprinting ocorre assim e, muito menos, em todos os animais. Mas esse exemplo nos permite notar que há uma “necessidade”: busca da mãe, do cuidado parental. E há uma resposta associativa no ambiente: o animal que estava presente em seu nascimento. No momento em que essa “necessidade” encontra associação externa provável, ocorre o imprinting no cérebro do animal, e isso é irreversível. A “necessidade” que me refiro é a programação genética que há no DNA daquele animal, ele define que naquela idade e naquele momento há de ser buscada a seguinte resposta, essa resposta pode vir mal direcionada, mas se veio, não precisa ser positiva nem negativa, apenas ter sido associada. Em outras palavras, se um filhote de ganso reconhecer como mãe uma criança curiosa presente em seu nascimento, mesmo que a criança o chute, maltrate e reclame de ser seguida, ele vai continuar seguindo o quanto puder! Mas como disse, nem todos os animais tem imprinting assim. Até as fêmeas de ganso reconhecem os machos independente do que foi estampado nelas como mãe. Isso varia de acordo com a genética. E aí começa o primeiro termo pouco compreendido relacionado a imprinting: ele é filogenético. Isso quer dizer que ele é completamente associado ao grupo e a espécie do animal em questão, cada espécie tem sua programação diferenciada. O segundo termo mal interpretado é que o imprinting é “circunscrito a uma fase ontogeneticamente limitada” e tem muita gente que entende que isso significa que ocorre de a tantos a tantos meses no cão filhote e só ocorre nessa época para nunca mais. Ontogenia é o estudo das fases de desenvolvimento, e os seres vivos se desenvolvem até a senescência, ou seja, até a morte. O imprinting ocorre nos filhotes sim, mas também em adultos, ou em qualquer fase do desenvolvimento. Ocorre nas mães que reconhecem o chamado dos filhotes, por exemplo. Ele está limitado a fases do desenvolvimento, mas cada fase terá sua “programação” específica, e o grau de maturidade e desenvolvimento varia entre indivíduos. O terceiro erro mais comum é achar que o imprinting pode ser direcionado. Não é possível determinar precisamente o momento em que o animal estará sendo estampado, assim como não é possível saber como interpretará e associara o estímulo. Apesar do imprinting ser irreversível e extremamente importante, só se pode favorecer o cão dando-lhe um desenvolvimento seguro e saudável, para que possa ter as melhores referências. Determinar o que será estampado artificialmente.”
Os primeiros dias
Após a leitura deste artigo, já somos capazes de concluir que, o manejo do filhote poderá determinar o sucesso do mesmo, quando adulto, no desenvolvimento do seu propósito de criação. Um manejo inadequado poderá, indubitavelmente, extinguir esta possibilidade, ao passo que, com o manejo correto, as chances de sucesso aumentam significativamente.
Desde os primeiros dias de vida, o filhote deverá sentir as melhores sensações possíveis quando manuseado por pessoas. O manuseio deve ser calmo, firme, cuidadoso, carinhoso, garantindo um bem estar tal qual ele receberia de sua mãe.
Este manuseio deverá ser feito somente quando extremamente necessário, evitando causar um incomodo desnecessário ao filhote. A tranqüilidade do ambiente deve ser mantida.
Após o desmame Assim que o filhote iniciar o seu processo de desmame, talvez, por volta da terceira semana de vida, é importante que ele tenha a oportunidade de conhecer novos ambientes, novas sensações como o contato com a grama, a terra, o barro, o sol..., claro, guardando suas devidas proporções de segurança e sem excessos.
Tudo deve ser bem natural e gradativo. Em pequenas doses, bem homeopático.
Isto lhe trará mais conhecimentos sobre a vida. Estes conhecimentos serão extremamente importantes para o seu desenvolvimento físico e psíquico. Cães que não tem estas oportunidades, possivelmente, apresentarão limitações ou fobias em suas fases adultas, ou, criaram associações limitadas de suas potencialidades. Em se tratando de cães de esporte ou serviço, isto é algo de fundamental importância, sem falar, dos hábitos indesejáveis adquiridos.
Os estímulos
Normalmente, quando o filhote atinge a idade de 3 a 4 meses, inicia-se os estímulos necessários ao seu propósito. Nesta fase, o manejo se torna ainda mais importante, pois, quando equivocado, poderá causar traumas irreversíveis, ou, acentuar as limitações já identificadas nesta idade.
A voz
Imaginem a sensibilidade da audição de um filhote. Agora, associe isto a uma voz grave, intensa e alta, certamente, não será uma “melodia” boa de ser ouvida.
Quando verbalizamos com um filhote, devemos criar uma “melodia” agradável aos nossos ouvidos e, principalmente, os dele. Ela deve ser suave, baixa, carinhosa, em tom médio, e, de preferência, sempre associada a um gesto de carinho e afeto. O filhote deverá se sentir motivado quando escutar a voz e não apavorado e desconfortável.
A abordagem
Sempre que formos ao encontro de um filhote, devemos ter em mente o que ele deve estar recebendo de informação quando nos aproximamos. Imagine como ele deve nos ver? Uma ameaça gigantesca vindo em sua direção, por isto, temos que tranqüilizá-lo e criarmos uma atração – feito imã – ou seja, sempre que estivermos indo em direção ao um filhote, ele deverá vir de encontro a nós, de preferência, em uma intensidade maior. Isto é o esperado. Devemos recebê-lo agachados, para diminuirmos nossa dimensão e ficarmos menos ameaçadores. Nunca devemos partir, abruptamente, para cima de um filhote e, muito menos, tirá-lo do chão sem um apoio dos braços ou das mãos. Muitos filhotes urinam diante deste cenário. Esta demonstração de insegurança e medo, inerentes ao um filhote de tão pouca idade, pode agravar-se ainda mais e gerar conseqüências catastróficas no futuro.
As brincadeiras
É muito importante para a integração entre homem e cão, principalmente, para cães de esporte ou de serviço, que o impulso de jogo (play drive) seja estimulado ao máximo. O filhote deve entender que a brincadeira só tem graça se houver a participação do homem, e deve querer, sempre, aumentar a intensidade e a freqüência das brincadeiras. Um filhote, principalmente aqueles com tendências ao amadurecimento psíquico precoce, deve ser estimulado a brincar quase diariamente, por um período muito curto, dependendo do caso, segundos. Os brinquedos não devem ficar à disposição do filhote para que ele não se desinteresse por eles e, quando a brincadeira terminar, o brinquedo deverá sumir, como uma mágica, sem que o filhote perceba ou sinta a frustração do seu brinquedo preferido ter sito tomado. Nunca termine uma brincadeira com o filhote cansado fisicamente e/ou psiquicamente. Ela deve sempre terminar quando o filhote estiver no ápice do interesse, para que ele tenha a vontade de repetir tudo novamente quando lhe for apresentado o brinquedo.
A expectativa
Um bom termômetro para medir o grau do link (super necessário para cães de (esporte) existente entre um filhote e seu dono, é observar o quanto de expectativa este filhote demonstra quando estamos nas mediações de onde ele esteja. Quanto maior a excitabilidade do filhote ao perceber a nossa presença, maior é o link existente. Quando um filhote não se altera, positivamente – alegremente – quando percebe uma aproximação maior de nossa parte, significa que a sua expectativa diante da nossa presença está baixa. Isto não é bom. O filhote que precisa ser ativado para esboçar uma reação de sociabilidade, certamente, não está sendo bem manuseado.
Outros cães
Não vejo problemas em permitir que o filhote brinque com outros cães, desde que eles não sejam os únicos a brincarem com ele. Desenvolver a socialização é muito importante para o filhote. Aprender a reconhecer a hierarquia existente na matilha também. Não devemos intervir neste processo, exceto, quando há um risco eminente de injúria a vida do filhote. A idéia deve ser a mesma dos brinquedos. Brincadeiras permitidas com tempo e momentos programados.
O ambiente
Quando resolvemos ter um filho, não compramos o berço, o enxoval do bebê depois que ele nasce. Tudo é providenciado antes, com antecedência, portanto, também devemos providenciar as instalações do filhote para que ele não tenha que ser mantido de forma improvisada, correndo o risco de se machucar e de ser um incômodo – inconveniente – para o nosso dia a dia. Quando isto acontece, a probabilidade de cometermos equívocos em nosso manejo é altíssima, e, às vezes, irreparáveis. É importante que ele fique livre em seu canil para que possa exercitar quando quiser, livre de pressões como correntes, cordas, guias...isto poderá lhe causar uma profunda tristeza, tirando-lhe o brilho e a alegria de viver.
Os passeios
Para cães de esporte ou serviço, é importante iniciarmos a socialização o mais cedo possível. Alguns treinos, como o de faro, por exemplo, ficam mais produtivos quando aproveitamos a fase onde o filhote apresenta um drive alto para comida, que acontece com 3 ou 4 meses de idade. Neste período, as vacinas ainda não se completaram, portanto, devemos ter muito cuidado com os locais que iremos levar nossos filhotes. Os campos de treinos são os mais apropriados para eles nesta fase até que a vacinação esteja completa. Evite passeios em locais públicos onde exista um trânsito grande de cães de rua. Nunca use um material inadequado para o seu filhote. Procure um colar ideal para ele e uma guia compatível com a idade do filhote. Nunca use o enforcador durante o passeio de maneira que ele atue como tal. Use sempre no elo morto ou como coleira. Não use colar e nem enforcador de garras no filhote. O passeio deve ser feito somente com colar e guia. Não dê trancos no filhote durante o passeio. Respeite a capacidade física dele. Não exagere.
A alimentação
Dê preferência a alimentação natural. Procure alimentar nos horários mais frescos do dia, exceto, quando o filhote ainda precisa de alimentar de 3 a 4 vezes ao dia. Evite que o filhote tenha excesso de peso, isto pode lhe causar problemas de saúde como: metacarpos cedidos, dorso cedido, aprumos incorretos, desânimo, falta de apetite...observe se quando ele anda a gordura do seu corpo balança como acontece com os ursos quando estão gordos, isto é um sinal de obesidade. Fique atento para não confundir filhote magro, seco, com filhote desnutrido !!!
As mordidas
Para um cão se serviço ou esporte, promovermos uma mordida forte, cheia e calma, é a meta para o trabalho de proteção. Desde os primeiros ensaios de mordida, o filhote deverá ser incentivado para tal, não sendo associado a isto, dor ou frustração. Quando um filhote agarra firmemente nossa calça, por exemplo, devemos incentivá-lo com uma voz calma e doce e, cuidadosamente, substituir a calça pelo dedo, de forma que, ao tirarmos o dedo, o cão não sinta uma dor causada pelo fato de estar mordendo. Esta é uma das razões que interrompemos a treino de mordida do filhote no saco ou no salsichoto quando os dentes começam a trocar, geralmente, por volta dos 4 ou 5 meses e só retomamos os treinos quando a dentição estiver toda trocada. Uma mordida fraca de um filhote que, a priori, teria todos os requisitos para morder com firmeza, pode ser fruto de um manejo incorreto. Nunca arranque um brinquedo da boca de um filhote que estiver mordendo firmemente de forma bruta e dominante. Além de lhe causar dor, a frustração neste momento é muito prejudicial. Se for necessário retirar o brinquedo, procure distraí-lo com outro brinquedo, como se fosse fazer uma troca, ou segure-o passando o ante-braço pela barriga, suspendendo-o, de forma que ele fique sem o apoio dos posteriores e mantenha-o nesta posição até que ele solte espontaneamente. Não dê sacolejos, apenas, tire o apoio dos anteriores. Lembre-se que o filhote é um ser muito sensível. Não o veja e nem o trate como um cão adulto.
Texto de: Eugênio Gomes, 4/6/2010